terça-feira, 17 de julho de 2012


Carlos Drummond Andrade

Aula de Português

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.


A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?


Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.


Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.


O português são dois; o outro, mistério.




Vou Tirar você do Dicionário


Vou Tirar Você do Dicionário





Eu vou tirar do dicionário
A palavra você
Vou trocar-la em miúdos
Mudar
meu vocabulário

e no seu lugar
vou colocar outro absurdo
Eu vou tirar suas impressões digitais
da minha pele
Tirar seu cheiro
dos meus lençóis
O seu rosto do meu gosto
Eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
com quantos "nãos" se faz um sim
Eu vou tirar o sentimento
do meu pensamento
sua imagem e semelhança
Vou parar o movimento
a qualquer momento
Procurar outra lembrança
Eu vou tirar, vou limar de vez sua voz
dos meus ouvidos
Eu vou tirar você e eu de nós
o dito pelo não tido
Eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
com quantos "nãos" se faz um sim
"Tudo que você disser
deve fazer bem
Nada que você comer
deve fazer mal"
"Eu quero as mulheres
que dizem sim
E quem não tem vergonha
de ser assim?"